segunda-feira, 8 de julho de 2013

Com saúde não se brinca? Conheça os benefícios da brincadeira para o cérebro

 
Pesquisadores que se dedicam à ciência do brincar apontam vantagens que vão do desenvolvimento neurológico ampliado à habilidade de encontrar soluções criativas para problemas e adaptar-se a diferentes cenários e pessoas
 
 
Você já participou de um processo seletivo em que uma das etapas era uma dinâmica de grupo envolvendo um jogo ou uma brincadeira aparentemente sem sentido?
Para além das teorias de recursos humanos, há um grande grupo de pesquisadores e teorias que tentam avaliar quais são as contribuições do ato de brincar para o desenvolvimento de habilidades importantes para o dia a dia.
 
Há um grande número de pesquisadores e teorias que levam a brincadeira muito a sério (Banco de Imagens / sxc.hu)O interesse pelo tema levou à criação, nos Estados Unidos, do Instituto Nacional da Brincadeira, em 1996. O fundador da instituição é Stuart Brown, que tem mais de 20 anos de prática clínica e pesquisas na área. Para ele, tudo está muito claro. Os cientistas mais vezes indicados ao prêmio Nobel, os empreendedores mais inovadores, as crianças mais bem adaptadas a qualquer ambiente e as famílias mais felizes têm algo em comum: o entusiasmo pelo ato de brincar ao longo da vida.
Brincar é tão fundamental quanto dormir e sonhar.

De acordo com o pesquisador, brincar é uma ação natural tanto para os homens quanto para animais domésticos e selvagens. Ele aponta também que, na relação entre pais e filhos, o reconhecimento de um convite para brincar de maneira espontânea é um ponto crítico. Exemplo: uma criança quer rolar uma bola de basquete, em vez de quicá-la no chão. Se o pai ficar frustrado por isso e insistir em tentar mostrar apenas a maneira “correta”, ambos poderão ficar irritados e a criança terá seu 'espírito brincalhão' abalado. Isso poderia ser evitado se o pai estivesse aberto ao jeito único de brincar de cada criança. “Brincar favorece o que há de mais natural em cada um”, diz Stuart Brown.

Brincadeira controversa
Estudos da Universidade de Washington, também nos Estados Unidos, demonstraram que passar 15 minutos brincando com os filhos diminui substancialmente problemas de comportamento das crianças. Isso bate de frente com um dos fenômenos estudados pelo Instituto: o crescente número de escolas que adotam currículos exaustivos para as crianças, deixando pouquíssimo tempo para jogos criativos, sem regras, até mesmo caóticos. Alguns dos estudos relacionam, inclusive, a redução do tempo de brincar com o aumento da obesidade.

Os pais indicam ainda a preocupação com o fato de que, mesmo quando brincam, as crianças de hoje estão longe das ruas e até do quintal, do chão de casa. Como a criança vai desenvolver confiança no outro, empatia e habilidade sociais se suas brincadeiras se limitam ao jogos online? Embora reconheça o valor lúdico dos videogames e outros jogos online, Stuart Brown ressalta que o desenvolvimento interpessoal é mais bem trabalhado com brincadeiras que utilizam os cinco sentidos, no mundo 'real'. E isso não tem nada a ver com nostalgia, garante o pesquisador.

Muitas teorias investigam, de ponto de vista evolutivo, como a brincadeira contribuiu para o desenvolvimento do cérebro humano ao longo do tempo. O consenso entre os pesquisadores até agora é de que o brincar é mais do que uma maneira de distrair uma criança inquieta ou de fazer um menino mais gordinho queimar calorias: é uma parte central do crescimento e desenvolvimento neurológico, uma para que as crianças construam cérebros mais complexos, sensíveis, socialmente hábeis e cognitivamente flexíveis. Ou seja, brincar pode parecer um luxo – animais preocupados com a redução das suas fontes de água e comida ou humanos sob altas doses de stress reduzem seu tempo de brincadeira a zero e mesmo assim sobrevivem - mas, alguns pesquisadores garantem que é uma necessidade. Caso não fosse assim, essa habilidade já teria sido esquecida – afinal, na natureza selvagem, 'desperdiçar' tempo e ficar distraído gastando calorias preciosas pode ser um erro fatal, mas mesmo assim os animais continuam brincando.
 
Respostas e dúvidas
Estudos realizados com gatos e ratos demonstraram que o espírito brincalhão manifesta-se de forma crescente de acordo com o desenvolvimento de algumas estruturas do cérebro (Banco de Imagens / sxc.hu)
Uma das respostas mais bem aceitas é a da brincadeira como preparativo para a vida adulta (muitos leitores devem estar lembrando do primeiro beijo nas brincadeiras de 'salada mista' ou 'caiu no poço'). Animais jovens podem testar suas habilidade em um ambiente seguro – esconder-se, perseguir, caçar, morder com mais ou menos força... Estudos realizados em ratos e gatos por John Byers, da Universidade de Idaho, demonstraram também um possível vínculo biológico: o espírito brincalhão dos animais se desenvolvia no mesmo ritmo que o cerebelo dos animais. Enquanto o animal é jovem e o cerebelo está se desenvolvendo, o interesse pela brincadeira não diminui.

A partir daí, os pesquisadores apontaram que há um momento importante do desenvolvimento do cérebro em que a brincadeira pode ser um valioso combustível.

Já o neurocientista canadense Sergio Pellis analisou grupos de ratos que eram privados das brincadeiras. Eles apresentaram conexões neuronais menos maduras no córtex pré-frontal– área do cérebro que nada tem a ver com o cerebelo. De acordo com o neurocientista, uma deficiência nessa região do cérebro pode significar menor desenvolvimento de habilidade sociais.

Vários caminhos
Para Stuart Brown, até o lado negativo da brincadeira – a exclusão de quem é mais tímido, a possibilidade de machucar e agredir o outro, e o próprio bullying, em determinado nível, é claro – pode ajudar a preparar para o inesperado e ampliar o repertório comportamental do indivíduo. “Para se adaptar melhor ao mundo, é necessário entender suas ambiguidades, e brincar também traz esse aspecto de flexibilidade e noções de poder e controle”, explica o pesquisador.

Embora ainda haja um longo caminho entre os resultados encontrados em animais e sua correspondência com o comportamento humano, Brown não tem dúvida de que, se todas as coisas relacionadas à brincadeira fossem retiradas, nossa vida seria miserável.

Os principais críticos das teorias do brincar ponderam que as habilidades associadas à brincadeira – aprender a escapar de becos sem saída, melhorar o vocabulário, flexibilidade cognitiva, criatividade na solução de problemas, jogo de cintura diante da mudança de cenários e de comportamentos, controle e conhecimento do próprio corpo – podem ser aprendidas de outras maneiras, como a instrução direta, por exemplo. E é bem possível que possam haver outros caminhos, mas nenhum deles tão divertido.

Fonte: Letícia Orlandi - Saúde Plena - Publicação:03/07/2013
http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena
 

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